Hoje acordei e pensei que seria um dia normal. Estava bêbado há alguns dias, desde que entrei de férias. É, com umas horas de folga, a gente faz cada coisa. Parece que hoje o dia pede sorrisos, certo? Envolve um deus ou um Deus. Seria mesmo isso? É esse o dia?
Bom, do que eu tava falando mesmo? Ah, o dia de hoje. É uma festa, não é? Mas não tem ninguém em casa, estranho. Em algum momento eu era uma criança, brincava debaixo de luzes coloridas e caixas bem embrulhadas. Quando foi isso? Quantas perguntas!
Acho que vou ficar em casa mesmo. Será que posso ligar para alguém? Ah, não. Hoje é dia de família. Eu tinha uma família também. Não lembro quando, foi por esses tempos. Isso, duas filhas! Clara e Luisa. Tenho o número delas por aqui... Ai, elas se casaram, não são mais pequenas.
Colegas de trabalho. Isso, o João parece um cara receptivo. "Boas festas, meu amigo!", eu poderia ligar. Mas João não é meu amigo. Acho que ele não trabalha mais na empresa. Eu ainda tô bêbado, eu sei. Não se deve ligar para ninguém, nesse estado.
Aquela menina que conheci... Ai, ela é casada. O que há de errado comigo? Onde estão as luzes que me faziam amar esse dia? Liguei a televisão e tudo o que vejo é uma mulher matando um pobre animal e crianças se prostituindo. O mundo tá perdido!
O rádio não pega direito aqui em casa. Vou ouvir um dos meus vinis. Tim Maia, Chico Buarque, Adriana... Esse pessoal tá é melhor do que eu! Vou comer alguma coisa, acho melhor.
Olha isso! Só tem whisky na prateleira e na geladeira tem iogurte. Vou ficar com o whisky. Aaargh, esse é muito forte. Melhor assim. Depois durmo um pouco. Ninguém vai sentir minha falta mesmo. Existe a possibilidade de alguém estar morto e continuar andando, bebendo, falando? Acho que não, certo?
Vou dormir agora. Talvez amanhã as luzes voltem.