terça-feira, 30 de novembro de 2010

Carta de um Suicida Demasiadamente Humano

Ao som de Eric Clapton, decidi terminar minha vida. Eu odiava aquilo tudo. Odiava! Todas as rotas que atravessamos em nossas vidas nos levam à algum lugar. Eu não estava chegando a lugar algum!

Quando ele começou a cantar "Layla", vi que não perderia tempo. Eu pensei e, de certa forma, eu estava certo. Se eu sou único, como os religiosos me diziam todas as vezes que eu os olhava daquele jeito patético, que só os céticos, iludidos e loucos conhecem, devo ter a autonomia de me suicidar. Ah, não faria falta mesmo! Eu era um desempregado. 48 anos. Pais mortos. Divorciado. Sem filhos. Sem posses. Eu tinha a certeza de que aqueles com quem me envolvi, não sentiriam minha falta. Beberrões e prostitutas, eram eles. Minha primeira esposa? Uma puta! Mas quem sou eu para julgá-los? Ah, claro, um ser exclusivo. "Exclusivo, meus irmãos, assim vocês são.", foi o que ouvi por muito tempo. Por que eu ia às igrejas mesmo? Eles queriam me mostrar "Papai-do-Céu". Ai, que patético!

Ah, me lembrei de um dos motivos dessas memórias póstumas imbecis. Sabe aquele clichê de culpar a sociedade por tudo? Então, eu tava tentando culpar a sociedade. Vocês sabem como é: temos um certo padrão social a manter. Somos seres, nem sempre tão humanos, mas sim muito moldados. Como diria Montaigne, "Os filhotes de ursos e de cães mostram sua tendência natural; os homens, porém, metendo-se desde logo em hábitos, preconceitos, leis, mudam ou se mascaram facilmente".

E que pretensiosos! Eu tive um caso com uma menininha, uma ninfeta. Morava no Rio. Mas no interior. É, eu não disse que eu era da cidade? Então, sou carioca. Nasci em Realengo, mas me mudei para o Centro, assim que comecei a estudar. Mas voltando à Melina (esse era o nome da menina.), seus pais se escandalizaram, disseram que um homem da minha idade deveria estar preso. Por quê? Porque a suposta "virgenzinha" estava a mais tempo no mercado do que os próprios pais imaginavam? 15 anos e pura experiência!

Mas vou para outro pecado: muito tempo depois que terminei a universidade (estudei Administração) fui trabalhar num escritório. Ah, aquilo era a maior forma de tédio que encontrei. Se sexo era tudo o que eu queria, meu paraíso, aquele escritório era o inferno! E meu chefe? "Bóris". Que tipo de nome é esse? O dia em que ele chegou e disse que eu estava fedendo a cachaça e eu era jovem demais para aquilo. Tive que levantar (mas meio lento, pois eu havia bebido um pouco) e dizer que ele era um bosta e que esse adjetivo combinava com o nome dele. Era perfeito! Bóris Bosta! Perdi meu emprego. Hipócritas!

Eu cheguei a casar, mas não deu certo. Descobri que minha mulher gostava mais de mulheres que eu. Ah, pro inferno essas convenções. Transei com duas, três e até quatro. Minha mulher adorava! E eu adorava ver as moças brincarem. Ah, que isso, não tinha problemas. Os meus vizinhos achavam que éramos (qual a palavra mesmo?) perfeityos! Até o dia que começei a não gostar de sexo. Desisti. Saí com umas prostitutas, mas tudo o que eu queria era ler. É sim, começei a ler todos os clássicos. De Homero a Dostoiévski. De Machado de Assis a.... Que se dane! Eu lia. Muito. Perdi a vontade de fazer sexo, estava sem emprego, larguei mulher, casa...

Há uma semana, decidi que eu não merecia viver. Aliás, a sociedade não me merecia. Vamos culpar mais um pouco essa sociedade medíocre que levanta todos os dias e ficam 8, 10, 12 horas, trabalhando feito loucos e, no fim do dia, dormem e fazem tudo de novo. "Mas depois vem a recompensa!". Pobres iludidos!

Eu fiquei pensando em uma forma de me suicidar. Eu tinha tempo livre mesmo. Pensei em veneno, mas achei que sujaria muito o hotel em que estava e tenho um organismo muito forte. Cortar os pulsos? Não, sou covarde demais para isso. Mas achei a melhor ideia. Classico, né. Pular da janela. Eu estava ali, naquele hotel (não lembro o nome, mas era uma espelunca) e só sentiriam minha falta se eu caísse no carro de alguém.

Quatro dias depois, pulei. É, foi fácil assim. Desculpe se choquei vocês com as declarações, mas descobri que existe um purgatório e ainda estou nele. Eu precisava desabafar e vocês estavam tão dispostos. É, acho que há um raio de esperança nessa bagunça em que vivemos. Aliás, eu não vivo mais, vocês que contnuam.

Bom, vou embora. Eu só quero que vocês saibam que, apesar de parecer um escroto (como alguém já disse, não me lembro. Aqui tudo tá meio nebuloso) sou somente "Humano, demasiadamente humano!".

R.