O Juízo Final

A menina sorri. Cinco da tarde e tudo está claro. A praça, cheia de crianças, apresenta a vida do jeito que ela deve ser.
Seus cabelos amarrados em duas tranças, caídos em suas costas, refletiam o sol ardido de verão.
Pique-pega, sorvete. Sorrisos. Mamãe, corridas, dodóis, band-aids. Mais sorrisos!

Ela chega da escola, já um tanto cansada. Não sabia que o teste de matemática era hoje! Vai para seu quarto e liga o rádio. Bolsa no chão, roupas jogadas, rosto iluminado. As cortinas abertas, para ler melhor o romance. Se joga na cama. Não poderia perder o best-seller do momento, claro! A mãe berra a guria. O "amigo" a chama ao telefone. Cinema, sábado.

Ninguém disse que seria uma experiência fácil ou ajustada. Com olhos de esperança, ela enfrenta tudo vigorosamente. Decide-se por Filosofia, contra a vontade dos pais. Papéis, trabalhos, aulas, aulas, livros, aulas. Estágio, graduação, viagens, sexo, sexo, drogas e rock and roll. A vida é uma viagem!

Esposo, trabalho, casa e muitos débitos. Três meninas. Ela lembra da alvura que iluminava seus dias. Hoje, tudo está mais difícil. Alguma coisa mudou. Seria a estação? Ou somente o peso dos anos? Deveria ela ser mais feliz e realizada como adulto? Muitas perguntas. Zero respostas.

Um divórcio. Filhos crescidos. Marcas do tempo. A mulher se encolhe em sua cama. Olha o relógio na parede e finge não ver as horas. O quarto vazio, só a deixa mais angustiada. Faz uma trança em seus cabelos, o último resquício de sua meninice. Tenta chorar, mas as lágrimas não descem mais! Depois de uns comprimidos para dormir, sussurra baixinho:

"-Nada dura para sempre. Nada..."